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Adivinha só o que Nicole Kidman, Elvis Presley, Kendrick Lamar, Samuel L Jackson e Joe Biden, tem em comum? Todos eles já tiveram problema com a gagueira em algum momento da vida e conseguiram supera-los de diferentes formas.
A fluência se refere a diferentes aspectos da fala, como a continuidade, o ritmo e o esforço necessário para falar por exemplo. Já a falta de fluência, ou disfluência, pode envolver a repetição, a hesitação ou a prolongação inesperada de alguns sons, sílabas, palavras e frases. Todo mundo exibe disfluências no cotidiano, já que é difícil nunca hesitar na hora de falar, repetir alguma palavra ou até gaguejar um pouco a depender da situação.
Quando alguém possui o transtorno de fluência, as dificuldades com a fala vão para outro patamar. Essa condição é um tipo de transtorno de comunicação na qual as desinfluências mais marcantes são repetições de sons e silabas, o prolongamento sonoro de certas letras, palavras interrompidas, bloqueios na fala e uma tensão excessiva ao falar.
Não basta alguém gaguejar para receber esse diagnóstico. A falta da fluência na fala precisa ser frequente e severa a ponto de a pessoa ficar ansiosa quando precisa falar, sofrer prejuízos no trabalho, na escola ou ter dificuldades para se comunicar e se relacionar com os outros. Quem vive essa condição frequentemente muda a velocidade da fala para diminuir as chances de gaguejar, evita falar certas palavras e sons, pode desenvolver certos tiques e até fogem de situações nas quais precisaria se comunicar com alguém.
É comum que se sentir ansioso por qualquer motivo piore a gravidade dos sintomas temporariamente. Isso pode ocorrer quando a pessoa sente uma grande pressão para se comunicar efetivamente, como durante uma apresentação ou entrevista. Para que alguém seja diagnosticado com o transtorno da fluência, é necessário que a disfluência não seja melhor explicado por outros fatores, como problemas motores, lesões neurológicas e outros transtornos, como a síndrome de Tourette. A maioria dos casos de gagueira se inicia na infância, mas também existem casos que se inicia na adolescência ou fase adulta.
Algum grau de disfluência na fala é uma parte normal no desenvolvimento da criança e não sugere necessariamente a existência de algum transtorno. A prevalência da gagueira entre crianças é de mais ou menos 15% e essa taxa reduz para 1% em adultos. Quem tem o transtorno da fluência no início da infância costuma apresentar os sintomas entre os 2 e 7 anos.
Geralmente ele começa com as repetições das consoantes iniciais, das primeiras palavras de uma frase ou de palavras longas. O diagnóstico de transtorno da fluência só pode ser cogitado se o nível de disfluência exceder o que se esperaria da pessoa em termos da sua idade, de déficits motores, ou sensoriais que ela tenha.
No começo, a disfluência pode passar despercebidas pelos pais, mas aos poucos elas vão ficando mais frequentes e se intensificando. À medida que isso acontece, a criança vai desenvolvendo reações emocionais negativas a elas e aprendendo mecanismos para evitar a falar. De 65 a 85% das crianças que começam a gaguejar reduzem isso até os 8 anos de idade. Se os sintomas persistirem depois dessa idade, é possível que a criança desenvolva o transtorno de fluência e só consiga reduzir os sintomas com ajuda do profissional.
Por mais banal que possa ser o ato de falar, ele é um comportamento complexo e que depende do funcionamento conjunto de diferentes sistemas cerebrais ligado ao controle motor, sensorial e as habilidades linguísticas. Não se sabe hoje em dia quais são todas as causas especificas da gagueira, mas já está claro que os genes tem um papel importante. Estudos com gêmeos sugerem que o irmão gêmeo de alguém com gagueira tem uma chance maior de também exibir isso do que a população em geral.
Alguns estudos demonstraram que quem apresenta gagueira costuma ter algumas diferenças anatômicas e funcionais no cérebro, como uma ativação maior das áreas ligadas ao controle motor durante a fala e uma ativação menor nas áreas relacionadas com a linguagem. embora a constatação de diferenças cerebrais como essa seja interessante, nem sempre é fácil interpretar seu papel nesse transtorno. Isso porque uma ativação maior em uma área do cérebro talvez não seja uma causa dos sintomas, mas apenas um reflexo de como as pessoas lidam com eles.
É frequente que pessoas com transtorno de fluência também apresentem outras condições, como transtorno da ansiedade social, de Tourette, do espectro autista, transtornos de aprendizagem, do processamento auditivo e o TDAH. A depender de cada caso, pode ser que o transtorno da fluência pode ter motivado o surgimento dos sintomas de outros transtornos, como o da ansiedade social, ou ele mesmo por ter sido motivado pela existência previa de uma condição, como transtorno do processamento auditivo.
Não existe um tratamento conhecido atualmente que funcione de maneira totalmente efetiva, para qualquer um vivenciando o transtorno da fluência. É importante que um profissional possa avaliar o caso em detalhes e recomendar as intervenções mais promissoras. É comum que uma parte do tratamento envolva aprender técnicas oratórias que ajudem a reduzir a frequência ou a intensidade da gagueira.
Uma grande parte delas envolve aprender a variar deliberadamente o modo de fala. Por exemplo, diminuir a velocidade, introduzir pausas frequente na fala, variar o ritmo ou a intensidade da pronuncia. Algumas pessoas que exibem a gagueira diminuem drasticamente sua disfluência enquanto estão cantando. Um dos motivos por detrás disso é exatamente porque, ao cantar, a pessoa acaba variando, mesmo que sem querer, diferentes características de sua fala, como o ritmo, a frequência e a intensidade.
Variar a fala não irá necessariamente sumir cm a disfluência mas dará um maior controle para a pessoa. A disfluência também pode diminuir em outras circunstancias, como quando alguém está lendo em voz alta, sussurrando ou fala uníssono com outra pessoa, ou seja, falando a mesma coisa quase ao mesmo tempo.
Aproveitando-se disso, aparelhos de feedback auditivo alterado podem ser utilizados para reduzir a disfluência. Eles têm um microfone que capta o que a pessoa fala e um fone que repete de volta para ela o que foi dito em tempo real. O som que a pessoa ouve sofre alguma alteração, como um delay muito curto ou uma mudança na frequência de voz. Receber esse feedback passa a impressão da pessoa de que ela está falando quase que em uníssono com alguém, mas estudos mais rigorosos precisam ser conduzidos para avaliar os benefícios desse aparelho.
A psicoterapia também pode contribuir para quem vive com esse tipo de dificuldade. Através dela, a pessoa pode aprender a lidar melhor com a ansiedade e depressão, dois problemas comuns na vida de quem tem o transtorno. Como a ansiedade costuma agravar os sintomas, saber maneja-la melhor pode ser muito util. A pessoa pode se tornar mais capaz de lidar com a consequência do transtorno e rever algumas das suas crenças que acabam piorando o sintoma. Um profissional de fonoaudiologia também pode ajudar a reduzir sua disfluência através da aplicação de exercícios e técnicas da área.
A gagueira é involuntária então falas como “fica calmo”, “fala mais devagar”, ou “fala logo” dirigidas a alguém que está gaguejando não ajudam e podem é piorar as coisas. Alguns pais falam coisas desse tipo por acreditarem que um filho gaguejando quer apenas chamar a atenção, mas isso é raramente a verdade.
Muitos que exibem a gagueira sentem vergonha ou culpa por acharem que não sabem falar direito, podendo até mesmo negarem a existência dela. É importante assumir e falar abertamente sobre a gagueira com outras pessoas para que alguém possa melhorar a própria qualidade de vida e amenizar os sintomas. É comum que as pessoas vivendo esse transtorno sofram diferentes formas de discriminação, como serem zoadas ou desqualificadas por gaguejarem.
Ser frequentemente ridicularizado por algo que é involuntário pode gerar muito sofrimento e outras consequências negativas na vida da pessoa. A verdade é que ninguém fala de maneira 100% fluida no dia a dia. É bem comum que pessoas sem o transtorno da fluência hesitem, pausem, reformulem algo ou gaguejem um pouco durante uma conversa. Apresentadores de jornais ou atrizes, exibem uma fluência quase impecável, mas eles geralmente estão lendo o que estão falando ou memorizam bem sua fala previamente.
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